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quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

A impotente onipotência

No último post falei um pouco sobre o valor de uma boa definição, e apresentei a minha definição, formada enquanto ainda cristão, do que seria Deus.

Embora algum cristão possa discordar da definição que apresentei para seu deus, dificilmente ele daria uma outra definição que não incorporasse as três características básicas de tal ser: onisciência, onipresença e onipotência.

Como eu havia dito no post anterior, basta que uma única inconsistência seja encontrada em uma dada definição para que a mesma deixe de ser considerada válida. Tal inconsistência pode ser o uso de alguma conjectura, ainda não provada verdadeira, ou uma afirmação paradoxal, por exemplo.

Todos os leitores já devem conhecer o Paradoxo da Onipotência. E claro já devem ter conhecido alguma das diversas tentativas cristãs de invalidar ou contornar tal paradoxo, uma vez que ele torna a definição de seu deus fundamentalmente inválida.

Se considerarmos o conceito mais intuitivo que se tem da palavra onipotência, diríamos que
Onipotência é a capacidade de se fazer qualquer coisa. Absolutamente tudo.
e é esse o conceito que vem a mente de praticamente todo cristão, quando o mesmo pensa em seu deus. No entanto tal conceito é inconsistente.
Pode um ser onipotente criar algo que ele mesmo não seja capaz de destruir?

Se ele não pode criar tal algo, então ele não é onipotente.
Mas se ele pode criar tal algo, então ele não é capaz de destruí-lo, logo também não é onipotente.
Proposições como essa provam a impossibilidade lógica de se definir um ser como sendo onipotente. Seres onipotentes não existem.

Paradoxos como esse surgem vez ou outro em teorias científicas. Algumas vezes anos após tais teorias terem sido aceitas pela comunidade científica. Mas quando isso ocorre dentro de uma teoria científica, a mesma torna-se inválida até que seja apresentada uma solução para o problema, como foi o caso do Paradoxo de Russell, já citado no post anterior. No entanto as religiões não aceitam correções em suas definições, por mais absurdas que possam parecer. Até porque isso poderia de fato destruí-las pouco a pouco.

As melhores justificativas cristãs que já ouvi para permitir que seu deus ainda seja visto como onipotente, uma vez constatado tal paradoxo, recorrem a suavização do conceito de onipotência, condicionando tal capacidade, excluindo os casos complicados, como por exemplo afirmando que
Deus é capaz de tudo, exceto aquilo que viole o paradoxo da onipotência.
Honesto ao menos, no entanto isso não seria mais onipotência. Seria uma semi-onipotência. Além disso tais suavizações não são consideradas pelos cristãos ao dizerem ser o seu deus onipotente. Até porque a maioria desconhece tal problema. E quando diante dele, simplesmente ficam sem saber o que dizer, recorrendo a explicações estapafurdias, como as muitas que se pode ver na seção tentivas de resolução neste artigo, ou como a descontraída explicação do famoso caçador de ateu e filosofo.

Obviamente nenhum cristão aceitará que tal paradoxo descaracterize seu deus, negando-o ou ignorando-o, no entanto para qualquer pessoa que esteja disposta a aceitar as evidências, fica claro que o deus cristão, onipotente, de fato não existe.

domingo, 27 de dezembro de 2009

O valor de uma boa definição

É difícil para pessoas racionalistas ao extremo, como nós matemáticos por exemplo, aceitar qualquer conceito que não esteja suficientemente bem definido.

É justamente de inconsistências conceituais que parte a maioria dos questionamentos que fazemos, assim como sua posterior verificação.

Se for dada a um matemático a sequência:
0, 1, 1, 2, 3, 5, 8 e 13
e lhe for perguntado qual deveria ser o próximo número da sequência, ele provavelmente lhe diria supor ser o número 21, mas também lhe diria que não é possível afirmar com certeza, uma vez que não fora informado qual o método usado para gerar tal sequência.

Quando um ateu questiona a existência de divindades, ele normalmente toma como base as definições populares dadas às divindades que questiona, ou então toma como referência o conceito genérico de divindade.

Algumas divindades são bem definidas, ainda que apresentarem inconsistências lógicas facilmente observáveis.

Hércules por exemplo, era tido como um semi-deus, meio humano e meio deus, no entanto era uma divindade razoavelmente bem definida.

O deus cristão, normalmente denominado apenas Deus, não teve a mesma sorte. Nenhuma boa e completa definição de Deus nos foi dada. As melhores que já obtive foram sempre fragmentadas, e a maior evidência disso é o fato de nem mesmo os cristãos chegarem a um consenso quanto a ela.

Obviamente, como ex-cristão e ateu, tenho minha definição de Deus, formada com base justamente nos inúmeros fragmentos que fui colhendo durante o tempo em que me dediquei a cultuar tal ser.

Esta é a definição que tenho hoje de Deus:
Personagem principal da mitologia cristã. A ele são atribuídos os poderes de onipresença, onisciência e onipotência, uma existência perpétua para antes e depois da criação do Universo, a própria criação do Universo e obviamente tudo que o compõe, a propriedade sobre as vidas e almas humanas, assim como tudo mais que possa existir e o direito de realizar num futuro incerto o julgamento das almas humanas, com base em suas atitudes e sua servidão a ele enquanto em vida. Também são considerados fidedignos os relatos bíblicos a seu respeito, sendo os quatro evangelhos de Jesus Cristo os principais.

Acredito que a maioria dos cristãos endossariam facilmente tal definição, embora provavelmente acrescentassem alguns detalhes e removessem a parte que refere a ele como um ser mitológico. Até porque todo o restante da definição foi formado enquanto eu ainda era cristão*.

Para um racionalista, não é difícil enxergar inconsistências lógicas em tal definição. Principalmente se considerados os inúmeros relatos bíblicos que são tidos como fidedignos pelos cristãos.

Caso o racionalista que esteja a observar tais inconsistências seja um cristão, ele terá que optar por ignorá-las pura e simplesmente, questioná-las a fundo e terminar no mínimo deixando de ser cristão, ainda que não se torne ateu, ou tentar justificá-las desesperadamente em defesa de seu deus.

Isso aconteceu comigo, ao longo de alguns anos, na verdade ao longo de toda a minha vida, até que finalmente me vi completamente ateu.

Embora sejam muitas as características de tal definição que pareçam inconsistentes, ou ao menos vagas, por se tratar de uma definição, basta que uma única inconsistência seja encontrada para que ela deixe de ser uma definição válida. É assim para qualquer análise lógica, a respeito de qualquer definição. Veja por exemplo o Paradoxo de Russell.

Aos poucos fui percebendo as inconsistências na definição que eu tinha de Deus, e que aparentemente era compartilhada pela sociedade na qual eu vivia. A cada inconsistência encontrada, eu alterava tal definição de modo a torná-la consistente. Removia características que eu considerava ilógicas. Até que em um dado momento percebi que eu não poderia mais me considerar cristão, uma vez que o deus no qual eu cria não era mais o deus cristão. Após algum tempo percebi que tal deus de fato não existia mais, ou se existia não era mais capaz de interceder por nós. As evidências me convenciam mais e mais disso a cada dia, até que me vi não mais teísta, mas apenas deísta.

Com uma definição de Deus tão pessoal e cada vez mais reduzida, em um dado momento ela simplesmente se foi por completo. A partir de tal momento eu adotei novamente a definição original e acrescentei o caráter mitológico a ela.

Provar a inexistência de um criador universal é bem diferente de provar a inexistência de uma divindade em particular. E para provar a inexistência de uma divindade em particular, basta encontrarmos e demonstrarmos formalmente uma única inconsistência que seja em sua definição.

Após isso a existência de tal divindade ainda seria possível, mas sua definição não poderia mais ser a mesma. Ela teria de perder um pouco de si para se manter crível. E dificilmente sobreviveria a mais algumas análises.

Infelizmente isso também se aplica ao Deus cristão. E podemos demonstrar que, tal como definido pela própria mitologia cristã, tal divindade não se mostra crível o suficiente para ser considerada mais que um mero mito. Ao lado de Hercules, Zeus, Shiva, Iemanjá, Odin e tantos outros.

* Caso algum cristão queira apresentar uma definição melhor, agradeço de antemão.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A Conjectura de Goldbach e o Paradoxo de Russell

Nestes últimos anos debatendo o tema religião, vez ou outra recorri a duas referências matemáticas que considero fantásticas: A Conjectura de Goldbach e o Paradoxo de Russell*.

Neste post apresentarei de forma resumida essas duas referências, uma vez que é bem provável que eu as utilize futuramente neste blog.

A Conjectura de Goldbach é um dos grandes problemas não resolvidos da matemática. Apesar de ser muito simples entender o problema proposto, sua efetiva demonstração provavelmente nunca virá. Tal conjectura afirma que:

- Todo inteiro par maior que 2 pode ser expresso como a soma de dois números primos.

Como eu disse, um problema muito simples. Aparentemente óbvio. Desafio o leitor a pensar em qualquer numero par maior que dois e tentar encontrar dois números primos cuja soma seja o número pensado. Provavelmente você conseguirá. E se continuar tentando, em breve concluirá que tal conjectura deve de fato ser verdadeira, já que o foi para todos os testes que fizera.

No entanto, para fins de demonstração formal, toda e qualquer possibilidade deve ser verificada. Obviamente não é possível testar todos os infinitos inteiros pares, e ainda que fosse, essa não seria a melhor maneira de demonstrar a veracidade de tal conjectura. Tal demonstração, assim como a maioria das demonstrações matemáticas, deve ser realizada através da aplicação de argumentos lógicos, como axiomas, postulados, lemas e teoremas.

Em suma, por mais óbvia que possa parecer, a Conjectura de Goldbach ainda não pôde ser comprovada.

Já o Paradoxo de Russell é um tanto mais complexo de se entender. Recomendo a leitura deste artigo para mais detalhes, mas resumidamente posso dizer que o que Bertrand Russell notou, foi que:

- Caso definamos o conjunto M como sendo o conjunto de todos os conjuntos que não contém a si mesmo como membro, concluiremos tanto que M está, quanto que M não está contido em si mesmo.

Ilustrando:
M=\{A\mid A\not\in A\} M \in M \  ou \ M \not\in M \ ?

Respire um pouco. Esse realmente é difícil de entender, até por que estou omitindo os detalhes. Não vou lhes entregar tudo de graça.

Mas assim sendo, como pode a lógica pura levar a duas conclusões completamente opostas? Estaria a lógica errada? Que explicação podemos dar a esse fato? Há alguma explicação? Ou devemos simplesmente fingir que nunca lemos isso. Que isso nunca aconteceu?

Há sim uma explicação. A explicação, de forma simplista, é que a definição do que vem a ser um conjunto, utilizada até então, não era uma boa definição. Tratava-se de uma definição inconsistente, pois permitia a elaboração de teorias absurdas como esta.

Qual a solução encontrada para o caso? Na verdade foram propostas várias soluções. Basicamente alterando a definição de conjunto. A minha preferida, embora não das melhores, estabelece que um conjunto jamais poderá conter a si mesmo como elemento, o que é suficiente para escapar do Paradoxo de Russell, mas não tão boa para a matemática em si. Não entremos nesse mérito.

Quis mostrar duas coisas com este post: Primeiro que uma demonstração formal, para ser considerada válida, deve ser incontestável. E segundo que de nada adianta utilizar uma boa lógica se partimos de definições e suposições inconsistentes.

Falarei mais sobre isso nos futuros posts.

Reflitam, se tiverem paciência pra isso.

* Bertrand Russell já deve ser conhecido por muitos dos possíveis frequentadores deste blog, ou ao menos a sua teoria do bule celestial.